sábado, setembro 12, 2009

Cartas a Ophelia


Gosto de suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiginha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que a havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao principio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha gosta de um meliante de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma crença, despia-a, e o papel acabava aqui mesmo, e isto parece impossivel de ser escrito por um ente humano, mas é escrito por mim.
Fernando Pessoa, cartas a Ophelia, escrita a 9/10/1929.

2 comentários:

Rosa Negra disse...

Tanto absinto que o senhor devia beber... :)

Anónimo disse...

beber muito =D mas a bem da verdade não é possível ainda assim retirar-lhe todo o génio de palavras soltas escritas com exactidão! kiss* lady